terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Revista Bicicleta - Um pouco da minha história de amor pela Bicicleta.


Superação através da bicicleta.

Revista Bicicleta por Teresa D’Aprile   04/12/15

Superação através da bicicleta
Foto: Ivson Miranda
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Após uma separação de um casamento de 12 anos, realizei uma mudança de vida radical. Com 37 anos, voltei a estudar, comecei a trabalhar e, não sei por que, comprei uma bicicleta e comecei a utilizá-la como meio de transporte, o que até então eu não fazia. Era uma Caloi Ceci preta, sem marchas, com a qual eu ia e voltava do trabalho. Hoje, esta bicicleta está no Museu da Bicicleta, em Joinville.
Em 1990, conheci um ciclista, Arturo Alcorta, e começamos a namorar. Ele me ajudou a conseguir um emprego em uma loja de bicicletas: comecei a gerenciar a Good Bike, na Avenida Cidade Jardim. Foi ele também que me deu uma bicicleta com marchas, ensinou a parte técnica e orientou treinamentos. Eu já estava com 42 anos e senti na pele como é difícil iniciar no ciclismo quando se tem uma idade mais avançada e por ser mulher. Mas não desisti e me apaixonei pela bicicleta. Minhas amigas pediam: “você não tem vergonha? Nós também gostaríamos de pedalar, mas não temos coragem”. Na época, uma mulher com mais idade pedalando gerava preconceito. Hoje ainda gera, mas já foi muito pior.
Em 1991, fui com o Arturo para Recife correr uma etapa da Copa Halls. Na época eu tinha uma Caloi Ventura com cinco marchas. Divertimo-nos muito pedalando na areia. Logo depois, o pessoal que trouxe a Specialized para o Brasil, o Dranger Associados, e Arturo que trabalhava com eles, fizeram-me uma proposta: se eu conseguisse completar um InterCity de 50 km, ganharia uma Specialized. Aceitei o desafio. E lá fui eu com uma bicicleta top, mas sem a menor ideia do que seria terra, trilha e 50 km. Na primeira subida eu já empurrei. Fui ao desespero, não chegava nunca. Em um dado momento sentei no chão e comecei a chorar de raiva. Xingava o Arturo e a bicicleta. Pensava: o que estou fazendo aqui? Demorei quase quatro horas para chegar... Quando o carro de apoio chegou e queria me levar, eu disse: “não, irei até o final pedalando, custe o que custar”. Cheguei exausta, recebi um troféu e ganhei a Specialized Rock Hooper que tenho até hoje e que já me acompanhou em várias aventuras. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Eu não parava de sorrir e fiz festa para mim mesma.
Foi aí que entendi que a gente faz o que quiser, não importa a idade; é só querer. Isto me fez sentir muito mais segura e acreditar em mim mesma, não só na bicicleta, mas na vida. Entendi que o importante é fazer, não importa o tempo que levar. Aprendi a lidar com a insegurança, porque você não tem ideia do que vai ter que enfrentar. Tive várias outras experiências muito legais, mas foi a partir desta que comecei a mudar minha vida e continuei a trilhar o meu caminho.

Outros fatos marcantes foram quando participei da 9 de Julho, sozinha com autorização do presidente da Federação Paulista de Cislismo. Fui a primeira mulher acima dos 50 a completar a prova. No final da última volta eu caí, peguei uma tartaruga no asfalto. A ambulância veio mas eu levantei do chão, toda ralada e rasgada, e fui até o final. Recebi a medalha de participação e comecei a chorar de emoção por ter realizado a prova. O pior foi voltar para casa pedalando toda machucada e dolorida. Outro momento interessante foi quando  cheguei em Brasília, em 1998; Renata e alguns meninos saíram de São Paulo e pedalaram 1.500 km pela mudança do código de trânsito. Eu fiz dois trechos com eles. Também já realizei algumas cicloviagens que ficaram marcadas pela superação, como a subida da Serra Dona Francisca, e o circuito Vale Europeu, ambos em Santa Catarina.

O grupo Saia na Noite

Renata Falzoni, prima de Arturo, já tinha trazido o Night Bikers para o Brasil, então, resolvi fazer como ela e sair à noite pedalar, só com meninas. Em 1992 formei um grupo de mulheres ciclistas, o Saia na Noite, que coordeno desde então para ajudar as mulheres a entrar neste mundo maravilhoso. Através deste grupo conquistei muitas amizades. Uma noite só para nós é muito bom. Juntas, nós tricotamos, trocamos receitas, falamos sobre filhos, relacionamentos e trabalho. Algumas mulheres trazem as filhas ou filhos também, para incentivar.
Não temos muita regra: se, de repente, passamos em algum lugar onde está acontecendo algo diferente, damos uma paradinha e, ao invés de pedalar toda a quilometragem programada, paramos para nos divertir. Alguns namorados, maridos e amigos que não pedalam, fazem questão de incentivar as companheiras e esperam na pizzaria por duas horas até voltarmos da pedalada. É muito gratificante poder participar disto.
Em resumo, somos terapeutas, estamos sempre prontas para ouvir. Somos livres e temos aventuras para contar. Quando um grupo é formado, surge uma família onde cada um tem suas próprias características, mas juntos, todos formam a identificação do grupo e fazem a diferença. É muito melhor pedalar assim, em grupo. Ninguém vive sozinho, e tenho que agradecer as meninas por estarem juntas comigo. Só eu sei como foi difícil chegar até aqui, principalmente pelo preconceito com relação à idade, o que hoje já está mudando.

Bicicleta, minha vida

Para mim a bicicleta representa:
• Liberdade, é uma poderosa ferramenta para trocas de cultura sociais e pessoas para quem a utiliza.
• Uma transformação positiva em si mesma.
• Uma forma de descobrir o novo.
• Uma ferramenta para enfrentar novos desafios.
• Prazer.
• Força.
• Determinação.
• O sorriso da conquista.
Acho que a bicicleta já é uma realidade em todo o Brasil. A tendência é que o número de pessoas que despertam para os benefícios da magrela continue crescendo. O meu trabalho eu estou fazendo. O Saia na Noite já completou 22 anos, e muitas mulheres já passaram e ainda vão passar pelo grupo.
Hoje, aos 65 anos, posso dizer que amo o que faço, e além dos passeios, ainda uso a bike como meio de transporte. Bicicleta é integração, inclusão social, novos desafios e, o que é mais legal, conhecer o novo: novas pessoas, novas histórias. Só posso dizer que a bicicleta é a minha vida, e enquanto as pernas aguentarem estarei pedalando.

Saia na noite


O objetivo do Grupo Saia na Noite é promover pedaladas femininas visando incentivar um modo de transporte autossustentável e não poluente. Ainda visa fortalecer e estimular mulheres adultas a melhorar sua qualidade de vida física e emocional, além de encontrar autossuficiência e liberdade, tendo como ponto de partida a bicicleta e a troca de experiência com mulheres que a utilizam como meio de transporte, lazer ou esporte.
O Grupo de Pedal Saia na Noite foi criado por Teresa e outras mulheres que já pedalavam e sentiam a necessidade de abrir um espaço só para elas. O passeio acontece num ritmo mais lento, com paciência para ensinar as técnicas da pedalada. A filosofia do grupo é de que uma mulher a mais pedalando significa uma transformação positiva em si mesma e com os que ela se relaciona. Através da bicicleta se ganha outra disposição, outro brilho no olhar, saúde, boa forma e felicidade.
As saídas são sempre às terças à noite, da Pizzaria Primo Basílico, na Al. Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo. O roteiro de aproximadamente 25 km abrange algumas subidas, mas superadas em um ritmo bem lento, sempre incentivando as novatas e respeitando o ritmo das mais lentas. Mesmo que alguma principiante tenha que empurrar a bicicleta, o grupo vai sempre junto.
Uma quinta-feira por mês há passeios diferentes, pedais gastronômicos ou temáticos, como o Saia de Pijama, Saia na Sopa, Saia na Frente. São passeios mais curtos, com 15 km, sem subidas. E um domingo por mês é realizado o Saia Pró, um pedal com cerca de 50 km, geralmente cultural, sem hora para voltar, ou em alguns casos, roda-se as imediações da cidade em um ritmo mais forte, onde participam as mulheres mais preparadas. Em outro domingo por mês, há ainda o Saia Light, com no máximo 15 km, sem subidas, para quem está começando.
O grupo conta com uma equipe de mulheres que ajudam na organização. Algumas fazem o fechamento do grupo, outras vão no meio e outras incentivando, todas usando rádio comunicador. O número de ciclistas por passeio é de 35 a 50 mulheres.

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